John Ford é um nome que dificilmente passará despercebido a amantes da 7ª Arte, mesmo àqueles que ainda não tenham visto qualquer dos seus filmes (enfatizo o "ainda", em jeito de sugestão, porque muitos títulos são amostras notáveis de uma certa forma de fazer Cinema que já não encontra paralelo nos dias de hoje, e seria uma pena deixá-los passar). Das suas mãos saíram alguns do mais célebres e celebrados Westerns de sempre, produzidos em Hollywood durante a idade de ouro do género, numa altura em que este era considerado um sinónimo cinematográfico de "Estados
Unidos da América", pela estreita relação telúrica e mitológica que pôde ser estabelecida com o processo de conquista e fundação dos territórios interiores do oeste. O homem que um dia disse «My name is John Ford. I make westerns.» fez dos espaços inóspitos e das elevações rochosas de Monument Valley o seu lar espiritual e aí contextualizou toda uma família fordiana de
personagens pitorescas, encabeçada dentro e fora do ecrã por outro nome
indissociável do género: John Wayne - o actor que melhor corporizou o
herói americano por si idealizado.
Ford deixou um legado de mais de uma centena(!) de filmes e influenciou alguns dos grandes cineastas contemporâneos, exemplos de Martin Scorsese, Clint Eastwood ou Steven Spielberg. Títulos como Stagecoach - A Cavalgada Heróica (1939), My Darling Clementine - A Paixão dos Fortes (1946), The Searchers - A Desaparecida (1956) e The Man Who Shot Liberty Valance - O Homem que Matou Liberty Valance (1962) encheram salas, entusiasmaram plateias e estabeleceram patamares referenciais de qualidade numa rara união de vozes entre crítica e público - e apesar de tudo (deste "tudo" que tanto representa), seria tristemente redutor remeter John Ford ao lugar de criador de filmes do oeste. Tão redutor quanto dizer que os Westerns são fitas de "índios e cowboys" que servem para entreter às matinés (algo que, não deixando de ser verdade, é apenas uma ínfima parcela da verdade).
The Quiet Man - O Homem Tranquilo, porventura um dos seus filmes mais representativos, se é que podemos para este efeito destacar alguns no conjunto da sua obra, não é de todo um Western (pelo menos segundo a noção corrente que temos de um Western) mas o facto é que conserva um conjunto de características, qualidades e valores, que Ford vinha expondo, em jeito de continuidade, ao longo de obras anteriores - em Westerns, mais concretamente -, sendo que a mera transposição do cenário geográfico para fora do continente americano, bem como a substituição de armas de fogo por punhos cerrados, não alteram em nada o campo de trabalho de Ford. A sua arte transcende, neste sentido, qualquer ideia de catalogação por géneros, e é interessante apanhar pequenos gags que brincam com a situação (o momento em que Wayne atira para longe um chapéu de coco que o torna ridículo, como que a dizer "o chapéu que costumo usar é outro!"), ou que dão sequência e complementaridade a situações de outros filmes (ao feroz "Never apologize, mister, it's a sign of weakness." de She Wore a Yellow Ribbon - Os Dominadores, utilizado por Wayne num contexto hierárquico militar, sucede agora um humilde "Sorry", sussurrado ao abrigo da intimidade conjugal - algo que não pode, porque não pode, ser uma simples coincidência).
Ford deixou um legado de mais de uma centena(!) de filmes e influenciou alguns dos grandes cineastas contemporâneos, exemplos de Martin Scorsese, Clint Eastwood ou Steven Spielberg. Títulos como Stagecoach - A Cavalgada Heróica (1939), My Darling Clementine - A Paixão dos Fortes (1946), The Searchers - A Desaparecida (1956) e The Man Who Shot Liberty Valance - O Homem que Matou Liberty Valance (1962) encheram salas, entusiasmaram plateias e estabeleceram patamares referenciais de qualidade numa rara união de vozes entre crítica e público - e apesar de tudo (deste "tudo" que tanto representa), seria tristemente redutor remeter John Ford ao lugar de criador de filmes do oeste. Tão redutor quanto dizer que os Westerns são fitas de "índios e cowboys" que servem para entreter às matinés (algo que, não deixando de ser verdade, é apenas uma ínfima parcela da verdade).
The Quiet Man - O Homem Tranquilo, porventura um dos seus filmes mais representativos, se é que podemos para este efeito destacar alguns no conjunto da sua obra, não é de todo um Western (pelo menos segundo a noção corrente que temos de um Western) mas o facto é que conserva um conjunto de características, qualidades e valores, que Ford vinha expondo, em jeito de continuidade, ao longo de obras anteriores - em Westerns, mais concretamente -, sendo que a mera transposição do cenário geográfico para fora do continente americano, bem como a substituição de armas de fogo por punhos cerrados, não alteram em nada o campo de trabalho de Ford. A sua arte transcende, neste sentido, qualquer ideia de catalogação por géneros, e é interessante apanhar pequenos gags que brincam com a situação (o momento em que Wayne atira para longe um chapéu de coco que o torna ridículo, como que a dizer "o chapéu que costumo usar é outro!"), ou que dão sequência e complementaridade a situações de outros filmes (ao feroz "Never apologize, mister, it's a sign of weakness." de She Wore a Yellow Ribbon - Os Dominadores, utilizado por Wayne num contexto hierárquico militar, sucede agora um humilde "Sorry", sussurrado ao abrigo da intimidade conjugal - algo que não pode, porque não pode, ser uma simples coincidência).
Situado no interior rural irlandês dos anos 20, o filme conta a história de um homem atormentado por um dilema moral no qual não pode permanecer indefinidamente e de onde não pode sair sem sacrificar uma parte da sua dignidade - um território sentimental por excelência em que Ford se evidenciou. Ninguém soube estabelecer melhor do que Ford um ponto de equilíbrio - e uma ponte - entre o interior e o exterior emocionais, sobretudo no que respeita à contextualização dos papéis/valores sociais das personagens perante o espaço geográfico - entre o dentro e o fora do lar - entre aquilo que é pensado e aquilo que é representado - entre sensibilidade e virilidade/coragem - entre homens que se definem perante a família (e muito em concreto perante a mulher que amam) e que se afirmam depois perante outros homens. Ninguém utilizou melhor uma câmara para expor sentimentos e mostrar atitudes através daquilo que em sentido estrito pode ser chamado de mise-em-scène: a distribuição espacial e movimentação de personagens no cenário, o jogo de influências e complementaridades que estas estabelecem entre si e com o próprio o cenário, e mais o uso da luz e da cor para definir as tonalidades emocionais. Se A Desaparecida é, a partir logo da primeira sequência (magnífica), a quintissência do saber de Ford nesta matéria, O Homem Tranquilo não deixa de ser outro exemplo paradigmático, com a casa de família que Sean Thornton (John Wayne) vai de novo ocupar a tornar-se o epicentro nevrálgico da encenação.
Tenho a clara noção de que quem não viu o filme, e tentar fazer uma ideia daquilo que nele pode encontrar a partir deste texto, vai permanecer completamente equivocado. Apesar de uma componente dramática trágica algo acentuada, Ford equilibra o filme com uma dose ainda maior de humor (a fita está pejada de gags), sendo que, pelo meio, e de forma algo inusitada, consegue encaixar uma paixão em que a sexualidade latente e o desejo carnal são os factores dominantes. O humor físico e a virilidade da carne são de resto características que atravessam transversalmente a sua obra, mas não creio que tenham sido conjugados de forma tão subversiva noutros lados. É refrescante ver um filme dos anos 50 que, sem nada mostrar, e com uma segurança a toda a prova, dá lições de cinema ao suposto "realismo natural" que é a norma hoje em dia. Há duas ou três sequências que poderiam figurar sem que lhes fosse prestado especial favor nos tops de cenas mais eróticas que de vez em quando surgem na Internet. Talvez estejam de facto fora do seu tempo por tudo aquilo que deixam oculto, mas demonstram o carácter e a elegância de um grande realizador. O seu nome é...
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