24/12/13

A Invenção dos Sonhos

A invenção dos sonhos é a invenção do cinema, e em Hugo - A Invenção de Hugo Cabret (2011) os seus artífices são Georges Méliès e Martin Scorsese, um dos pioneiros maiores da 7ª Arte nos anos que sucederam a sua descoberta, no final do século XIX, e um dos grandes realizadores americanos da actualidade, respectivamente. O livro (estupendo), história e ilustrações, foi publicado por Brian Selznick em 2007 e, para além de todos os elogios que justamente mereceu vindos dos quatro cantos do mundo, acabou por determinar o "encontro" entre esses dois titãs do cinema. Separados no espaço e no tempo, Méliès e Scorsese partilham de um mesmo fascínio pelo artifício técnico, pelas possibilidade infinitas na criação de ilusões e fantasias, e sobretudo pela capacidade que o cinema tem em proporcionar aos espectadores a magia dos "sonhos acordados", como às tantas a personagem de Hugo (Asa Butterfield) refere no filme.

Hugo é uma fábula moderna que evoca a memória e a nostalgia dos primórdios do cinema - situado na Paris cosmopolita dos anos 30 (a estação de comboios é o seu microcosmo representativo), é uma fita carregada de fantasia e de fantasias, em que Méliès (Ben Kinglsey) é carinhosamente apelidado de "Papá Georges", e em que o deslumbramento da descoberta da magia nos é transmitido através do olhar de uma criança. A criança fascinada somos todos nós, mas é também Scorsese, humilde, a prestar homenagem a um dos seus mentores espirituais do passado (uma espécie de Jules Verne do celulóide), reproduzindo história e técnica, narrando situações e emoções, e preenchendo as lacunas com a sua persona cinematográfica muito peculiar. A estrutura do próprio filme parece gravitar em torno do aproveitamento físico e visual das formas e feitios, da engenharia técnica que agrega "as partes", com gigantescas rodas dentadas, engrenagens e maquinaria de precisão mecânica a dominarem e a preencherem o espaço de ecrã, e a servirem de metrónomos escondidos ao funcionamento da sociedade (chegam-nos por vezes reminiscências da Metropolis de Lang). Dir-se-ia que a ciatividade fantasiosa e o gosto pela ilusão de Méliès encontram na geometria tecnicista e hiper-dinâmica scorsesiana o formato de expressão ideal para serem recordados através do cinema que se produz hoje em dia. Nesta vertente, é importante destacar a significância dos efeitos especiais e do CGI - desta feita pela positiva, e de uma forma muito pragmática. Se por um lado o seu artificialismo colorido e brilhante, e a sua falta de "peso e volume" são notórios, estes aspectos jogam a favor do tom de fábula da narrativa - o faz-de-conta é um factor conhecido e partilhado pelo público desde o início, numa celebração una entre o lado de lá e o lado de cá da tela - e nem poderia ser de outra forma, pelo menos circunscrevendo a situação ao filme em causa. Há um travelling de câmara absolutamente espantoso a abrir o filme, que começa num grande plano sobre a cidade de Paris, com a câmara depois a deslizar suavemente em "zoom picado", numa vertigem delirante que termina estática em frente aos olhos de Hugo, oculto atrás do número quatro de um dos relógios da estação de comboios onde vive. O resto é um festival incessante de luz (muito a propósito de cinema) e cor, na maior parte das vezes num sépia tintado onde despontam alguns realces parcelares mais naturalistas.

Fica um aviso/sugestão: tal com na maioria dos filmes de Martin Scorsese, se não mesmo em todos, uma só visualização não chega para absorver e apreciar devidamente os "truques" do mestre. Os "insistentes" que prestarem a devida atenção à montagem e edição de Hugo sairão largamente recompensados...



















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