Necessariamente curta, para não maçar ninguém antes de tempo, e porque nem tudo importa ao leitor saber nem ao autor divulgar. O escrevedor deste blogue nasceu em 1975, reside em Lisboa, trabalha como técnico de informática numa PME do ramo logístico, não tem página no facebook e é averso a redes sociais. De entre as gratas memórias de infância de que ainda se recorda, constam várias deslocações ao Cinema Alvalade para assistir a filmes de desenhos animados. Foi nessa e noutras grandes salas da capital, por esta altura extintas, convertidas em centros comerciais, ou vendidas a igrejas de reputação duvidosa, que julga ter sido contagiado por um invulgar interesse por Cinema - uma doença do foro obsessivo que o acompanhou até aos dias de hoje e da qual não se pretende curar. Ao longo do tempo foi acumulando outros interesses artísticos, como a literatura ou a música - sim, o cinema veio antes de tudo o resto -, sempre na óptica do utilizador (é assim que se diz na informática). Mais recentemente comprou uma Reflex digital em segunda mão e começou a tentar a sorte na fotografia, desta feita na óptica do disparador. Não consta que tenha atingido mortalmente ninguém com um disparo acidental (ou mesmo intencional), e não conserva, de resto, cadastro criminal na polícia por atentados à moral pública ou actos de vandalismo fotográfico. Pretende com este blogue reunir e actualizar uma série de textos e pensamentos que foi escrevendo na Internet ao longo do tempo em vários espaços, para os juntar em casa própria e para evitar que desapareçam por intenção alheia. Pretende também ir deixando novas provas de que não abandonou de todo o consumo compulsivo de matéria cultural e artística - não só fonte infinita de distracções e emoções, mas, mais importante, sustentáculo essencial para a formação e definição de valores sociais. Acredita piamente nestas últimas palavras. Não tem por hábito escrever na terceira pessoa, mas decidiu tentar por uma vez. Não se sentiu mais importante por isso - e o facto é que ninguém lhe ligou nenhuma.
Autoria
Recordo-me de ter escrito em tempos idos (que se me afiguram agora bastante longínquos), em parceria com um amigo e mentor, um livro de informática sobre um poderoso Sistema de Gestão de Bases de Dados Relacionais. Recordo-me de que demorei cerca dois anos a ter a minha parcela pronta para publicação, e de que, pelo meio, o programa mudou a versão comercializada duas vezes - no início ia na 7 e no final já estava na 9. Recordo-me de me ter tentado disciplinar para conseguir estar todos os dias duas horas em frente ao editor de texto a avançar com a escrita, e de quase ter conseguido manter esse ritmo até ao fim. Recordo-me da infinita paciência do meu contacto na editora, e de ir recebendo em casa, capítulo a capítulo, as provas do texto em papel, rasuradas a vermelho, preenchidas em tudo o que era espaços brancos pela linguagem "gatafúnhica" dos implacáveis revisores gramaticais, fulanos a quem não guardo já muita animosidade. Fiquei satisfeito com aquilo que escrevi enquanto resultado acabado em formato de livro, sobretudo porque significou a passagem de conhecimento para terceiras pessoas num processo semelhante ao de ensinar. Vistas as coisas a esta distância, teria hoje alterado algumas sequências explicativas que considero menos felizes e retirado 90% dos adjectivos que contaminam o texto, mas de outro modo está tudo pacífico - foi uma experiência gratificante. Ainda trabalho diariamente com o Visual FoxPro - ferramenta por esta altura descontinuada pela Microsoft, mas que se mantém indispensável para a minha actividade profissional - e tornaria a aceitar escrever este livro, caso mo pedissem de novo para o fazer, apesar do sacrifício implícito em termos de tempo, esforço e dedicação.
Argonauta
A mítica colecção que desde a década de 50 preenche o imaginário dos fãs de FC portugueses, tendo originado certamente muitos novos entusiastas ao longo do seu percurso de publicação, tem neste momento uma presença de relevo na Internet, através de um blogue exclusivo que a homenageia e divulga. São apresentados dados técnicos, capas, contracapas, sinopses narrativas e alguns extras adicionais para cada um dos 553 "grandes romances de Ficção Científica" que a compõem no formato de livro-de-bolso. Organizado por João Vagos de forma dedicada e laboriosa a partir de edições em papel - estamos aqui a falar de um verdadeiro acto de amor: cerca de 1100 digitalizações, e mais da inserção manual, via teclado, de centenas de textos - este espaço apresenta aquilo que de melhor se publicou ao longo de seis décadas em Portugal dentro de um género que nem sempre foi bem recebido no mundo literário - injustamente, diga-se, mas isso são outros quinhentos. Não sendo alguém que liga muito a géneros ou a delimitações temáticas - sigo com bastante mais interesse autores, por exemplo - a FC representou para mim desde tenra idade uma espécie refúgio espiritual ao qual regresso sempre com renovado prazer, quer pela infinita capacidade de imaginação de quem se dedica a escrever tão delirantes fantasias (delirantes, mas sustentadas, sem excepção, por uma lógica inabalável), quer pelo desafio que coloca às limitações sensoriais da nossa mente, formatadas que estão pelo hábito de um quotidiano restrito, rotineiro e rasteiro. Da Colecção Argonauta, em papel, não tenho praticamente livro nenhum, mas li em inglês umas quantas obras que nela se encontram publicadas, pelo que posso pelo menos partilhar de uma fatia estreita do entusiasmo de quem noutros tempos a seguiu. Recentemente, na primeira edição da Revista Bang! direccionada para o mercado brasileiro, Luís Filipe Silva dedicou um extenso artigo a esta colecção - podem ser lidos, revista e texto, aqui.
Adamastor
Fundado em Março de 2013 por Ricardo Lourenço, o Projecto Adamastor é uma iniciativa cultural de relevo que visa disponibilizar gratuitamente, em formato digital, obras literárias de língua portuguesa que já não estejam abrangidas por direitos de autor (estão em Domínio Público). É um projecto sem fins lucrativos, que depende exclusivamente do trabalho de voluntariado, e que se rege por padrões elevados de qualidade na conversão e adaptação dos textos escolhidos - cada obra é cuidadosamente comparada com o texto original, actualizada para a ortografia vigente (pré-Acordo Ortográfico), e revista de forma minimizar o número de erros e potenciais gralhas. A vertente do design, grafismo e formatação da letra e parágrafo não foi esquecida, bastando olhar para algumas capas destas edições para ficar com água na boca uma ideia do empenho colocado na sua "fabricação". À data em que escrevo este texto, encontram-se publicadas através do Adamastor 13 obras de autores consagrados de língua portuguesa. É uma iniciativa pioneira em Portugal (lá fora existe há mais tempo um projecto semelhante que dá pelo nome de Gutenberg, mas que é orientado segundo outro tipo de critérios editoriais), não tanto pela disponibilização de obras em formato digital, mas pelo cuidado com que trata os textos - não faltam na Net dezenas (centenas?) de locais de onde se podem descarregar e-books portugueses gratuitamente, mas serão, na sua grande maioria, conversões feitas às três pancadas, sem qualquer tipo de revisão, carregadas de erros, gralhas e de desarranjos e omissões no texto. O tipo de experiência que num ápice nos retira qualquer vontade de continuar a leitura. Por outro lado, algumas das obras publicadas pelo Adamastor - que, repito estão em Domínio Público - podem ser encontradas nas livrarias, também em formato digital, só que... a pagantes! Com o advento da literatura digital, e com os aparelhos de e-reading a ganharem terreno ao papel a cada dia que passa, o Projecto Adamastor tem o mérito de definir um patamar qualitativo com parâmetros de leitura consistentes, e de constituir uma alternativa credível à mediocridade anónima de ofertas que enche os motores de pesquisa. Se porventura quiserem de alguma forma colaborar com a iniciativa, podem pedir informações aqui.
Allan Stewart Konigsberg
Filósofo irrequieto e neurótico do humor contemporâneo - tempero que equilibra de forma hábil com o lado dramático mais dorido e sóbrio da existência -, Woody Allen leva uma carreira com seis décadas de duração onde cabem perto de 50 filmes, e uma regularidade produtiva quase sem paralelo no mundo da 7ª Arte. Cineasta da exploração obsessiva das relações sentimentais atribuladas, da eterna e inconsolável demanda pelo par romântico ideal, e detentor de um vincado estilo autoral que consegue reinventar-se de fita para fita sem se repetir, considero-o responsável por me ter feito chorar mais à conta das gargalhadas que me arrancou nos seus filmes do que por todas as vezes em que esfolei os joelhos a brincar no recreio quando era criança, e não foram poucas. O que me faz contudo venerá-lo de forma especial não é (apenas) isso. É o sentir-me em casa quando vejo um filme seu. Há um qualquer calor emocional, confortável e acolhedor, que emana dos espaços interiores - lares e mentes - onde se ensaiam as dúvidas, os desejos e as nostalgias das personagens, e onde amiúde se espelham os meus próprios. Não sendo um agregador de consensos de opinião, e muito menos um realizador para as massas, os filmes que dirigiu nunca respeitaram o "código de conduta" comercial imposto por Hollywood, e mesmo quando a academia lhe decidiu atribuir as tão mediáticas estatuetas douradas, algo que sucedeu até agora por quatro vezes, Allen deu-se ao luxo de não aparecer nas cerimónias, por não ligar nenhuma a prémios. A sua última obra, Blue Jasmine, que pode ainda ser vista nas salas portuguesas, é um regresso a uma forma que já não exibia desde Match Point, em 2005. Para não variar, conta com uma personagem feminina fortíssima, interpretada por uma Kate Blanchet em estado de graça, e muito bem secundada por um elenco escolhido a dedo - altamente recomendado, portanto. Woody Allen será tema de futuras conversas aqui no blogue, visto ser um dos realizadores que mais admiro.
Agatha Christie
Estou a ler: The Murder of Roger Ackroyd - O Assassinato de Roger Ackroyd, uma das mais famosas e reputadas obras do género policial de que aparentemente há memória, a julgar pelos elogios granjeados, e em que o detective de serviço é o sempre aprumado Hercule Poirot. Vou a meio do livro e, apesar de conhecer o desenlace final (a sua fama precede-o), tenho estado a prestar particular atenção à forma como a autora engendra a trama e dispõe os factos narrativos de modo a manter o leitor na mais completa escuridão face à identidade do criminoso, ao mesmo tempo que vai revelando a conta-gotas determinadas características que podem comprometer cada personagem enquanto potencial autor de um assassinato. O termo apropriado para descrever o que nos sucede enquanto leitores é "manipulação". Mas, tal como acontece em todas as boas histórias de detectives, é mesmo de sermos vítimas dessa manipulação que estamos à espera, condição que acolhemos com agrado, e a partir da qual avaliamos no fim, depois de revelado quem matou o infeliz do cadáver que mal chegou a entrar na história, o escritor - quanto mais honesta e inteligentemente formos manipulados (curiosa junção de palavras), tanto mais crédito lhe daremos enquanto criador ficcional de mistérios. Faz parte das regras do jogo. Li relativamente poucas obras desta autora, uns cinco ou seis volumes da colecção Vampiro Gigante, mas em todas encontrei razões de sobra para a ela regressar ("Oh, the grey cells.. the little grey cells...!").
Arte?
Não sei o que isso seja. E desconfio de quem afirma saber. Diz-se por aí que a arte imita a vida e que a vida também imita a arte. Serão, no fim de contas, termos sinónimos em determinados contextos. Talvez então que a arte nos faça sentir mais próximos daquilo que será o sentido da vida, supondo que há um. Ou então é uma distracção que disfarça muito bem o seu real propósito. O que é a arte? - que é como quem pergunta: Qual é o sentido da vida? Suspeito que a resposta não deve aparecer no diccionário...
Antagonismo Ortográfico
Este blogue não respeita o novo Acordo Ortográfico - por uma questão de postura perante o que ainda resta de decência na nossa sociedade, e enquanto a actual classe política não se resolver também, de caminho para o abismo, a privatizar e a capitalizar o direito à indignação.
Auto-interpretação-visual
Auto-interpretação-visual
Nota posterior: desde que publiquei esta espécie de auto-retrato, ou de interpretação própria sobre quem sou/como sou, há cerca de duas semanas atrás, que inúmeros conhecidos me têm abordado com variações sobre uma mesma questão: que raio se estaria a passar na minha cabeça para decidir publicar um retrato "assim", logo na página de apresentação do blogue. "Assim", "um absurdo!" "Assim" no sentido de "impensado", no sentido de "horrível", de "feio", de "triste", de "tão exposto", com uma expressão tão "pesada" e "sisuda", tão "incorrecto" enquanto avaliador do meu prórpio ser, pelo menos no entender destas pessoas, que possivelmente, e face a estas interrogações afirmativas, carregadas de incredulidade, estarão habituadas a "verem-me" de outra maneira, suponho.
Face a isto, a minha resposta tem sido também ela mais ou menos invariável: não é um retrato exterior, é um retrato interior — tal como diz o título, é uma auto-interpretação, e, face a esta abordagem, a "verdade" impunha-se. A verdade, em contraponto a uma selfie fabricada para mostrar o "belo", com a barba feita, uma expressão sorridente, e algumas "imperfeições" na pele removidas a Photoshop. Não é assim que toda a gente gosta de se mostrar? No seu "melhor"? Esta não é, então, uma abordagem "impensada". É fruto de um "plano" calculista, friamente arquitectado e executado (nem o fundo da imagem é obra do acaso): mostrar-me tal como me sinto por dentro em determinadas alturas. Um plano de encenação que visou o estranho paradoxo de mostrar uma realidade sem subterfúgios. Visou também firmar uma marca concreta no tempo, palpável, que revisitarei muitas vezes no futuro, através da memória, regressando a uma representação real sobre o que de facto que sou/sinto agora. A minha expressão não é, contudo, uma de tristeza, é apenas neutra, vazia — sem forçar qualquer músculo do rosto (que melhor forma haverá de tentar uma representação exacta da realidade-própria?), embora com o sobrolho algo vergado pela luz solar intensa que entrava pela porta que tinha à frente.
Não quero também fazer passar a ideia de que só há uma "verdade", ou que possa ser inferida a partir uma perspectiva tão estreita e despida de detalhes como é a que se mostra aqui. Seria ridículo. A percepção tem infinitas realidades ao seu dispor, sempre mutando-se. A esse respeito, faço meu aquilo que David Lynch partilhou ao longo de todo o enigmático Mulholland Drive: «No hay banda! It is... an illusion.»
Não quero também fazer passar a ideia de que só há uma "verdade", ou que possa ser inferida a partir uma perspectiva tão estreita e despida de detalhes como é a que se mostra aqui. Seria ridículo. A percepção tem infinitas realidades ao seu dispor, sempre mutando-se. A esse respeito, faço meu aquilo que David Lynch partilhou ao longo de todo o enigmático Mulholland Drive: «No hay banda! It is... an illusion.»
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