30/01/14

Contos de Nova Iorque


Peguem no universo temático autocêntrico de Woody Allen, retirem-lhe a neurose da dúvida existêncialista, as questões de ruptura com a "identidade judaica", a constância do sketch humorístico; transponham agora aquilo que resta (e que ainda é um substancial conjunto de características de autor) para o corpo de uma irrequieta jovem nova-iorquina na casa dos quase-trinta, uma jovem à procura de afirmação e de independência num mundo que não a compreende, platonicamente apaixonada por alguém que nunca poderá ter, e a braços com o dilema da escolha entre a profissão de que verdadeiramente gosta e aquela que se encontra disponível. Frances Ha (Noah Baumbach - 2012) não é só isto - não é só esta receita requentada de ingredientes pré-cozinhados - mas muito da sua ambiência faz de facto recordar a paixão agridoce e ternurenta que Allen destila por Nova Iorque (em fitas como Manhattan e Annie Hall, por exemplo, em que as emoções são indissociáveis daquela geografia espacial tão característica), faz recordar os estados de espírito, ora alegres, ora melancólicos, entre os quais oscilam as suas personagens (com a fotografia preto-e-branco a servir de âncora), e a ligação umbilical inconstante entre a amálgama daquilo que vai dentro da alma e o cenário exterior citadino em que essa massa se projecta e afirma.

Frances Ha  vive muito - e vive muito intensamente - da prestação de Greta Gerwig, a compor uma figura intelectual-emocional que parece não caber no invólucro físico limitador que a vida lhe proporcionou. Em paralelo, é gratificante encontrar uma galeria de personagens secundárias realista, criaturas nas quais vislumbramos uma vida e uma vivência que vão muito para além do protagonismo limitado e do curto espaço de tempo que passam no ecrã. Podiam ser nossos vizinhos, pelo pouco que deles conhecemos, pelo tanto que imaginamos saber acerca das vidas por detrás dos rostos e das portas, e pela teia irregular de referências e relações que constroem, sem o saber, à nossa volta. A fita é um elegante passeio pela linha sinusoidal do tempo, que nos embala artisticamente, com saber e bom gosto, entre o sorriso e a lágrima, numa conjugação indistinta entre os bons e os maus momentos da vida; uma fita apaixonada por algo que poderá nunca realmente alcançar - é um sonho de juventude à beira de se tornar adulto, e de ter de se reinventar no processo, perante as novas circunstâncias - mas que encara o desafio sabiamente, com carácter. Uma das boas surpresas cinéfilas de 2012/2013.


 




























Sem comentários:

Enviar um comentário