27/01/14

The Wolf of Wall Street - O Lobo de Wall Street - Martin Scorsese - 2013



Jordan Belfort: There's no nobility in poverty. I've been a poor man, and I've been a rich man. And I choose rich every fucking time.

Não sendo o filme mais violento de Scorsese, The Wolf of Wall Street é de longe o mais agressivo e feroz. Recupera um pouco a linha daquilo que terminara em Goodfellas - Tudo Bons Rapazes (1990) e Casino (1995) - até pelo arco narrativo de "ascenção e queda" contado na primeira pessoa pelo protagonista, seguindo a vertigem sedutora do dinheiro -, mas transpõe o centro gravítico da canalhice para o mundo implacável da bolsa de valores norte-americana (território de "touros" e de "ursos", onde, ou se come ou se é comido, literalmente) E, à imagem do filme, o mesmo sucede com a personagem de DiCaprio, toda ela excesso, exuberância e depravação, alimentados a drogas e sexo promíscuo numa constância que só termina com os créditos finais. Depois de uma primeira meia-hora que serve para ambientar o espectador e ensinar-lhe as "regras do jogo" (com um excelente momento de Matthew McConaughey pelo meio, e que o trailer apenas deixa antever), o excesso faz transbordar o ecrã e Scorsese esfrega-nos na cara a realidade bruta daquilo que o dinheiro roubado a milhares de americanos de classe média - e mais tarde de classe alta - possibilitou a um punhado de executivos corruptos de colarinho branco, que sabiam manipular as regras do jogo e operar à margem da lei sem serem apanhados pelas agências reguladoras. O filme é, ao mesmo tempo, a biografia de um desses "executivos"; uma vigem alucinante por um tempo e um sistema aparentemente legalizado que não só permitiu (permite?) a corrupção, mas que quase a encorajava, servindo-nos um curso de iniciação rápido de más-práticas e truques sujos para sacar dinheiro ao próximo; e o retrato de uma América decadente e moralmente ferida, a América do sonho-americano virada do avesso, em que todas as crenças e valores pelas quais os "average-joe" (já agora - também todos nós, os espectadores) se orientam servem de porta-do-cavalo para o roubo consentido em larga escala e para a subversão de tudo aquilo que a bandeira representa (ao longo do filme são vários os planos desse símbolo, orgulhosamente limpa e esvoaçante, mas sempre trocista, a cuspir-nos em cima as cores da mentira). 


Desconheço se no futuro virá a será recordado como mais uma "obra-prima" de Scorsese (não me espantaria que venha a suceder), mas o filme transborda de momentos e diálogos memoráveis (alguns, completos delírios "over-the-top") que, creio, se tornarão eles próprios símbolos cinéfilos e culturais que nos vão acompanhar por muito tempo (tal como a frase "Greed is good" lançada por Gordon Gekko/Michael Douglas em Wall Street (Oliver Stone - 1987), e que aqui ganha contornos ainda mais arrepiantes). Como comédia-negra, o seu "punch" e a sua amoralidade são notáveis - não só nos fazem rir à gargalhada da nossa própria desgraça social, mas fazem-nos vibrar com seus paladinos, tornam-os heróis e exemplos a seguir, tornam os fins justificações desejáveis para os meios, e pelo meio derrubam, através de uma dimensão meramente material, todo o castelo de cartas das boas intenções construído ao longo de décadas por um sistema cultural e educativo institucional. A serenidade ultrajante do plano final (em que uma multidão anónima contempla, com reverência, Jordan Belfort, aguardando os seus ensinamentos) é uma última facada nos rins do espectador. Greed is definitely good!


Enquanto ia assistindo ao filme, ia-me recordando da forma como Peter Travers inicia a sua crítica na revista Rolling Stone: "Pow. Pow. Pow. Pow. Pow. That's how Martin Scorsese's The Wolf of Wall Street comes at you." Pancada, atrás de pancada, atrás de pancada, mas não em direcção ao ponto de dormência, muito pelo contrário, a viagem lasciva e obscena proposta por Scorsese ao mundo infeccioso da grande finança funciona como uma ampliação para as glandes sensoriais, e apenas queremos mais, e mais, e mais, à medida que acompanhamos, numa dimensão propositada e traiçoeiramente conciliadora em termos de identificação e empatia, a personagem monstruosa interpretada por Leonardo DiCaprio (que bem que o Oscar lhe ficava). The Wolf of Wall Street é o tipo de filme capaz apanhar desprevenidos até os conhecedores da obra, das temáticas e das personagens mais caras ao realizador. Não trazendo nada de particularmente novo ao seu campo trabalho, não deixa de ser um passo adiante na exploração formal do conteúdo cinematográfico, mais aberto, mais provocador, e sem olhar a vítimas entre a plateia.

Jordan Belfort: Was all this legal? Absolutely not!

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