Jordan Belfort: There's no nobility in poverty. I've been a
poor man, and I've been a rich man. And I choose rich every fucking
time.
Não sendo o filme mais violento de Scorsese, The Wolf of Wall Street é de longe o mais agressivo
e feroz. Recupera um pouco a linha daquilo que terminara em Goodfellas - Tudo Bons Rapazes (1990) e Casino (1995)
- até pelo arco narrativo de "ascenção e queda" contado na primeira
pessoa pelo protagonista, seguindo a vertigem sedutora do dinheiro -, mas transpõe o centro gravítico da canalhice
para o mundo implacável da bolsa de valores norte-americana (território
de "touros" e de "ursos", onde, ou se come ou se é comido, literalmente)
E, à imagem do filme, o mesmo sucede com a personagem de DiCaprio, toda
ela excesso, exuberância e depravação, alimentados a drogas e sexo
promíscuo numa constância que só termina com os créditos finais. Depois
de uma primeira meia-hora que serve para ambientar o espectador e
ensinar-lhe as "regras do jogo" (com um excelente momento de Matthew
McConaughey pelo meio, e que o trailer apenas deixa antever), o excesso
faz transbordar o ecrã e Scorsese esfrega-nos na cara a realidade
bruta daquilo que o dinheiro roubado a milhares de americanos de classe
média - e mais tarde de classe alta - possibilitou a um punhado de
executivos corruptos de colarinho branco, que sabiam manipular as regras
do jogo e operar à margem da lei sem serem apanhados pelas agências
reguladoras. O filme é, ao mesmo tempo, a biografia de um desses
"executivos"; uma vigem alucinante por um tempo e um sistema
aparentemente legalizado que não só permitiu (permite?) a corrupção, mas
que quase a encorajava, servindo-nos um curso de iniciação rápido de más-práticas e truques sujos para sacar dinheiro ao próximo; e o retrato de uma América decadente e moralmente ferida, a
América do sonho-americano virada do avesso, em que todas as crenças e
valores pelas quais os "average-joe" (já agora - também todos nós, os
espectadores) se orientam servem de porta-do-cavalo para o roubo
consentido em larga escala e para a subversão de tudo aquilo que a
bandeira representa (ao longo do filme são vários os planos desse
símbolo, orgulhosamente limpa e esvoaçante, mas sempre trocista, a cuspir-nos em cima as cores da mentira).
Desconheço se no futuro virá a será
recordado como mais uma "obra-prima" de Scorsese (não me espantaria que venha a suceder), mas o filme transborda de momentos e diálogos
memoráveis (alguns, completos delírios "over-the-top") que, creio, se
tornarão eles próprios símbolos cinéfilos e culturais que nos vão acompanhar por
muito tempo (tal como a frase
"Greed is good" lançada por Gordon Gekko/Michael Douglas em Wall Street (Oliver Stone - 1987),
e que aqui ganha contornos ainda mais arrepiantes). Como comédia-negra, o seu "punch" e a sua amoralidade são
notáveis - não só nos fazem rir à gargalhada da nossa própria desgraça
social, mas fazem-nos vibrar com seus paladinos, tornam-os heróis e
exemplos a seguir, tornam os fins justificações desejáveis para os
meios, e pelo meio derrubam, através de uma dimensão meramente material,
todo o castelo de cartas das boas intenções construído ao longo de
décadas por um sistema cultural e educativo institucional. A serenidade
ultrajante do plano final (em que uma multidão anónima contempla, com
reverência, Jordan Belfort, aguardando os seus ensinamentos) é uma
última facada nos rins do espectador. Greed is definitely good!
Enquanto ia assistindo ao filme, ia-me recordando da forma como Peter Travers inicia a sua crítica na revista Rolling Stone: "Pow. Pow. Pow. Pow. Pow. That's how Martin Scorsese's The Wolf of Wall Street comes at you." Pancada, atrás de pancada, atrás de pancada, mas não em direcção ao ponto de dormência, muito pelo contrário, a viagem lasciva e obscena proposta por Scorsese ao mundo infeccioso da grande finança funciona como uma ampliação para as glandes sensoriais, e apenas queremos mais, e mais, e mais, à medida que acompanhamos, numa dimensão propositada e traiçoeiramente conciliadora em termos de identificação e empatia, a personagem monstruosa interpretada por Leonardo DiCaprio (que bem que o Oscar lhe ficava). The Wolf of Wall Street é o tipo de filme capaz apanhar desprevenidos até os conhecedores da obra, das temáticas e das personagens mais caras ao realizador. Não trazendo nada de particularmente novo ao seu campo trabalho, não deixa de ser um passo adiante na exploração formal do conteúdo cinematográfico, mais aberto, mais provocador, e sem olhar a vítimas entre a plateia.
Jordan Belfort:
Was all this legal? Absolutely not!
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