Alfred Hitchcock será para a eternidade recordado no cinema como o "grão-mestre da ordem do suspense", um cineasta - o maior e mais engenhoso que a Grã-Bretanha viu nascer - a quem interessou primeiramente a exploração dos mecanismos da inquietação/angústia, da falsa culpa, da dúvida e da incerteza em contextos de crime, bem como a necessidade de encontrar desfechos para esses mistérios, algo que ocorria tanto dentro da tela, com as personagens, como fora dela, junto dos espectadores. O Amor, não sendo um campo de trabalho a que se dedique em exclusivo (o romance não existe para Hitchcock apenas enquanto "história de amor", nem mesmo em casos como Vertigo, que aborda a obsessão exacerbada em torno de um ideal amoroso), desempenha ainda assim um papel crucial e determinante na maioria os seus filmes, ganhando, a espaços, tanta ou mais importância quanto as temáticas que o tornaram famoso. Não será despropositado afirmar que nestes casos as relações amorosas entre as personagens funcionam como coluna vertebral onde assenta o enredo - tais sentimentos atiram as personagens para comportamentos que de outra forma não sucederiam, matéria-prima por excelência para a fabricação de situações limite. A importância atribuída por Hitchcock ao Amor não pode de resto passar despercebida nos seus filmes - pelo contrário, é gritantemente óbvia e provocante, mesmo nas situações em que é a "sugestão" e o contorno freudiano a ditar as regras - quer pela utilização dinâmica da câmara, sempre "à espreita" para ensaiar close-ups ou planos e piruetas a explicitar a manifestação de gestos afectivos, quer pela "fisicalidade" que irradia dos actores, às vezes bastante libidinosa, quer ainda pelo jogo de gato-rato que o realizador foi mantendo fora da tela, ao longo do tempo, com a censura - é célebre "o beijo" de quase três minutos entre Cary Grant e Ingrid Bergman, em Notorious - Difamação (1946), que foi marotamente separado em dezenas de beijos mais curtos, intercalado com diálogos, prolongando-se enquanto os dois passeiam pelo cenário, para contornar o tempo limite de três segundos por beijo, imposto pelo Motion Picture Production Code, na altura em vigor.
Este dia S. Valentim serve de pretexto para recordar, um pouco ao jeito de Cinema Paraíso, 14 marcos na carreira de um realizador de excepção, para quem a palavra "inocência" foi sempre uma falsidade a denunciar.
Rebecca - 1940 - Laurence Olivier & Joan Fontaine
Suspicion - Suspeita - 1941 - Joan Fontaine & Cary Grant
Spellbound - A Casa Encantada - 1945 - Gregory Peck & Ingrid Bergman
Notorious - Difamação - 1946 - Cary Grant & Ingrid Bergman
Strangers on a Train - O Desconhecido do Norte Expresso - 1951 - Ruth Roman & Farley Granger
Dial M for Murder - Chamada para a Morte - 1954 - Robert Cummings & Grace Kelly
Rear Window - A Janela Indiscreta - 1954 - James Stewart & Grace Kelly
The Trouble With Harry - O Terceiro Tiro - 1955 - Shirley MacLaine & John Forsythe
To Catch a Thief - O Ladrão de Casaca - 1955 - Cary Grant & Grace Kelly
The Wrong Man - O Falso Culpado - 1956 Henry Fonda & Vera Miles
Vertigo - A Mulher que Viveu Duas Vezes - 1958 - Kim Novak & James Stewart
North by Northwest - Intriga Internacional - 1959 - Cary Grant & Eva Marie Saint
Psycho - Psico - 1960 - John Gavin & Janet Leigh
Marnie - 1964 - Sean Connery & Tippi Hedren
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