«You know, the feeling that people experience when they stand on the edge like this isn't the fear of falling - it's the fear that they might jump... »
Estamos no "momento zero" da grande crise financeira de 2007-2008, e vamos
acompanhar as primeiras horas do "acordar para a realidade" numa das
grandes companhias financeiras americanas no activo por esses dias (não
se chega a saber o nome desta firma, mas vários paralelos, a partir da história que hoje se conhece,
são inferíveis). O "momento" zero é o ponto no tempo em que alguém
se apercebe, sem margem para dúvidas, de que um conjunto de fórmulas financeiras que serviam de
modelo estrutural para as trocas comerciais de grande parte dos activos financeiros de risco
(com alto grau especulativo e de alavancagem) estavam erradas na sua
essência, de que a enorme bolha que se vinha formando nos últimos anos
estava prestes a rebentar, e de que o colapso era inevitável. Significava isto, em trocos, que uma boa
parte dos activos financeiros dessa empresa valiam zero, ou menos do que zero (tornando-a
subitamente "ilíquida", e para lá de qualquer hipótese de recuperação), e que na
mesma situação se encontravam todas as outras empresas do sector -
nomeadamente bancos e agências de rating. Significava também que, assim que esta informação
fosse do conhecimento público, todo o mundo financeiro se desmoronaria num
rápido processo de queda em dominó, efeito a propagar-se por todos os
sectores comerciais e por todos os países do mundo. Milhares de empresas
na falência, milhões de desempregados, e uma enorme insegurança e
desconfiança social nas instituições financeiras e nos reguladores
económicos. Como de resto veio na realidade a suceder. Em Portugal, ainda estamos
no fundo do poço que essa crise ajudou a cavar - e vamos tendo
exemplos diários de como a história se repete, apesar de todos os avisos do
passado, com o caso BES em primeiro plano.
No filme, partimos então do momento em que um especialista matemático/financeiro (Zachary Quinto) se dá conta deste pesadelo, e de como o fluxo desta informação vai subindo os vários degraus hierárquicos dentro da empresa, até chegar ao homem que é pago especificamente para avaliar contextos e tomar decisões (Jeremy Irons). Segundo as palavras do próprio, «Há três formas de ser bem sucedido neste mercado: ser o primeiro, ser mais esperto do que os outros, ou fazer batota. E eu não faço batota!» A questão da batota ganha aqui contornos de ironia, apesar da sua significância ser estritamente verdadeira naquele contexto prático: os produtos que esta companhia comercializa estão "dentro da lei regulada", e «Nós vendemos apenas aquilo que o investidor está disposto a comprar - por sua livre vontade.» O nome do jogo passa a ser, a partir dessa altura, "sacudir a água do capote" o mais rapidamente possível, vender tudo antes que outras empresas se apercebam do que está a suceder, de forma a minimizar o prejuízo. De outra forma, capitalizar ao máximo estes produtos que valem zero, vendendo-os a outras empresas ou investidores. A qualquer custo. Vender tudo durante a manhã do dia seguinte, e deixar que sejam os outros a ficar na ruína.
O filme é uma espécie de actualização de Wall Street de Oliver Stone, antecipando também os temas morais de O Lobo de Wall Street, aqui numa hipotética versão mais sóbria, sem os excessos nem os deboches dessa obra (que, apesar de tudo, estão lá nas entrelinhas, não são é esfregados na cara do espectador), sem os travelings de câmara vertiginosos nem os truques de edição desenfreada de Thelma Schoonmaker, e sobretudo sem gritarias ou pessoas a perderem as estribeiras. Estas pessoas, que se quedam sem reacção no momento em que são confrontadas com os "cálculos", ficam antes com a preocupação estampada no rosto a cada minuto que passa - uma preocupação não pela incerteza do futuro, mas pela certeza da queda no abismo (a incerteza regista-se antes em relação à magnitude dessa queda). É um filme de grandes actores e de grandes interpretações (o elenco é composto por um punhado de notáveis), embora todas bastante controladas e contidas, o que contribui para tornar o ambiente de catástrofe iminente mais pesado e sombrio, pois não há factores de distração "extra". O modo pausado e directo como Chandor filma estas personagens, como lhes dá tempo para poderem absorver a significância de cada palavra e de cada diálogo, e como as contextualiza depois dinamicamente no espaço — ora nos pisos superiores de uma dessas torres de vidro a bater nas nuvens, em escritórios open-space a abarrotar de monitores carregados de números e gráficos complexos, ora cá em baixo nas ruas da cidade, no meio dos "comuns mortais" que ignoram a tempestade que se aproxima — contribui em sintonia para esse silêncio sepulcral que antecipa o cataclismo.
É também um filme em que somos confrontados com os tubarões da alta finança, aqueles que vivem no topo da pirâmide, que controlam as equações financeiras pelas quais a sociedade de move, e que apenas vêem uma coisa à frente: dinheiro. O tipo de gente que conhece a história, conhece os mecanismos regulatórios, consegue prever os ciclos de mudança, e sabe exactamente que medidas necessita de tomar para capitalizar cada acontecimento. E para que uns ganhem e permaneçam impunes, outros têm necessariamente de perder e de cair. É ainda um filme que mostra como a vertigem de chegar a uma posição dessa "altura intocável" corresponde ao ligeiro empurrão necessário para "vender a alma ao diabo". Como refere a personagem de Kevin Spacey à de Jeremy Irons ao cair do pano: «Eu não vou aceitar a proposta por causa do teu discurso, mas vou aceitar porque preciso do dinheiro.» Não há inocentes em cargos empresariais desta "elevação", apenas autómatos que há muito perderam a sua essência humana e que agora estão racionalmente orientados para atingir um objectivo concreto. Tudo o resto é paisagem. O filme termina com o plano sugestivo de Spacey a enterrar —em sentido literal— os últimos vestígios emocionais que o ligam à humanidade. E a pá a escavar na terra continua a ouvir-se já com os créditos a rolarem.
No filme, partimos então do momento em que um especialista matemático/financeiro (Zachary Quinto) se dá conta deste pesadelo, e de como o fluxo desta informação vai subindo os vários degraus hierárquicos dentro da empresa, até chegar ao homem que é pago especificamente para avaliar contextos e tomar decisões (Jeremy Irons). Segundo as palavras do próprio, «Há três formas de ser bem sucedido neste mercado: ser o primeiro, ser mais esperto do que os outros, ou fazer batota. E eu não faço batota!» A questão da batota ganha aqui contornos de ironia, apesar da sua significância ser estritamente verdadeira naquele contexto prático: os produtos que esta companhia comercializa estão "dentro da lei regulada", e «Nós vendemos apenas aquilo que o investidor está disposto a comprar - por sua livre vontade.» O nome do jogo passa a ser, a partir dessa altura, "sacudir a água do capote" o mais rapidamente possível, vender tudo antes que outras empresas se apercebam do que está a suceder, de forma a minimizar o prejuízo. De outra forma, capitalizar ao máximo estes produtos que valem zero, vendendo-os a outras empresas ou investidores. A qualquer custo. Vender tudo durante a manhã do dia seguinte, e deixar que sejam os outros a ficar na ruína.
O filme é uma espécie de actualização de Wall Street de Oliver Stone, antecipando também os temas morais de O Lobo de Wall Street, aqui numa hipotética versão mais sóbria, sem os excessos nem os deboches dessa obra (que, apesar de tudo, estão lá nas entrelinhas, não são é esfregados na cara do espectador), sem os travelings de câmara vertiginosos nem os truques de edição desenfreada de Thelma Schoonmaker, e sobretudo sem gritarias ou pessoas a perderem as estribeiras. Estas pessoas, que se quedam sem reacção no momento em que são confrontadas com os "cálculos", ficam antes com a preocupação estampada no rosto a cada minuto que passa - uma preocupação não pela incerteza do futuro, mas pela certeza da queda no abismo (a incerteza regista-se antes em relação à magnitude dessa queda). É um filme de grandes actores e de grandes interpretações (o elenco é composto por um punhado de notáveis), embora todas bastante controladas e contidas, o que contribui para tornar o ambiente de catástrofe iminente mais pesado e sombrio, pois não há factores de distração "extra". O modo pausado e directo como Chandor filma estas personagens, como lhes dá tempo para poderem absorver a significância de cada palavra e de cada diálogo, e como as contextualiza depois dinamicamente no espaço — ora nos pisos superiores de uma dessas torres de vidro a bater nas nuvens, em escritórios open-space a abarrotar de monitores carregados de números e gráficos complexos, ora cá em baixo nas ruas da cidade, no meio dos "comuns mortais" que ignoram a tempestade que se aproxima — contribui em sintonia para esse silêncio sepulcral que antecipa o cataclismo.
É também um filme em que somos confrontados com os tubarões da alta finança, aqueles que vivem no topo da pirâmide, que controlam as equações financeiras pelas quais a sociedade de move, e que apenas vêem uma coisa à frente: dinheiro. O tipo de gente que conhece a história, conhece os mecanismos regulatórios, consegue prever os ciclos de mudança, e sabe exactamente que medidas necessita de tomar para capitalizar cada acontecimento. E para que uns ganhem e permaneçam impunes, outros têm necessariamente de perder e de cair. É ainda um filme que mostra como a vertigem de chegar a uma posição dessa "altura intocável" corresponde ao ligeiro empurrão necessário para "vender a alma ao diabo". Como refere a personagem de Kevin Spacey à de Jeremy Irons ao cair do pano: «Eu não vou aceitar a proposta por causa do teu discurso, mas vou aceitar porque preciso do dinheiro.» Não há inocentes em cargos empresariais desta "elevação", apenas autómatos que há muito perderam a sua essência humana e que agora estão racionalmente orientados para atingir um objectivo concreto. Tudo o resto é paisagem. O filme termina com o plano sugestivo de Spacey a enterrar —em sentido literal— os últimos vestígios emocionais que o ligam à humanidade. E a pá a escavar na terra continua a ouvir-se já com os créditos a rolarem.
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