28/12/14

Foco - Revista de Cinema

Medindo o pulso a um pequeno abalo sísmico com epicentro numa mensagem lacónina (como todas as anteriores) lançada no blogue As Aranhas - II série, replico aqui uma ligação para um irrecusável conjunto de pensamentos e dissertações sobre Cinema. Estão (a ser) reunidos desde há uns anos numa publicação brasileira, mas chegam de várias partes do mundo, inclusivamente da nossa ilustre Cinemateca Portuguesa. 


São artigos sobre cinema mais "à séria" do que porventura se encontram por aí nos locais mais "habituais" de divulgação e frequência sobre o meio, e de certa forma remetem para aquilo que um dia terá sido o espírito da revista Cahiers du Cinema. Agrada-me, ainda assim, que reúnam neste mesmo espaço, entre outras intenções cuidadosamente direccionadas (Sam Fuller, Jean-Claude Brisseau, etc), material sobre a personagem (obscura?) que dá pelo nome de John Milius (sim, esse mesmo que realizou Conan, the Barbarian e colocou Arnold Schwarzenegger na linha da frente dos "intérpretes musculados" em Hollywood) e alguns belíssimos textos erguidos pelo punho de João Bénard da Costa.

27/12/14

Neil Young II

Na segunda parte do artigo dedicado a Neil Young, proponho a audição de 4 temas alimentados por instrumentação "eléctrica", embora não necessariamente tocados a um ritmo acelerado. À semelhança do que sucedeu com as 4 sugestões acústicas na mensagem anterior, esta escolha não ambiciona apresentar um conjunto representativo da diversidade e alcance de Young enquanto criador ou intérprete de música – a extensão e irregularidade da sua obra impossibilitam essa hipótese – e ainda bem, até porque o patamar de qualidade é bastante vasto – mas antes proporcionar outro breve encontro (que para alguns significará um reencontro) com 4 temas que me agradam particularmente na sua discografia, e de entre muitos outros por onde também podia ter optado sem remorso. A minha dificuldade não esteve em encontrar temas válidos, esteve em determinar quais deviam permanecer de fora desta mini-selecção. O último destes clips - e o único videoclip "oficial" que apresento - tem uma escolha de imagens com um certo anacronismo caricato, ou seja, com muita piada!


Cinnamon Girl - do álbum  Everybody Knows This Is Nowhere, com os Crazy Horse - 1969

Powderfinger  - do álbum Rust Never Sleeps, com os Crazy Horse - 1979

Act of Love - do álbum Mirror Ball, com os Pearl Jam - 1995

 Psychedelic Pill - do álbum homónimo, com os Crazy Horse - 2012

21/12/14

Neil Young - I


Neil Young, nascido em 1945 no Canadá, encontra-se por esta altura entre os mais destacados e influentes compositores e intérpretes contemporâneos, ocupando um lugar verdadeiramente único no panorama musical popular, pela maneira liberta e multifacetada como se movimenta entre os universos Folk, Country, e Rock - e também entre os registos instrumentais acústico e eléctrico. Não é apenas que Young faça a aproximação ou reunião entre estes géneros de forma natural, é também que seja um autor destacado em cada um deles individualmente.

Young é facilmente reconhecível pelo estilo/sonoridade que debita da sua guitarra eléctrica, mas é reconhecível, antes de tudo, pela voz característica que nada mudou ao longo de quase 50 anos de carreira - uma voz que aparenta fragilidade e sensibilidade, com tendência de opção pelas regiões agudas (o que a torna particularmente pungente em temas sentimentais), mas flexível o suficiente para se tornar densa e autoritária em temas mais pesados e instrumentalmente preenchidos. Uma voz que não associaríamos de antemão à figura do homem (ou de um homem), mas que cai facilmente na nossa aceitação mal os temas começam tocar. Para além da guitarra, Young recorre com frequência ao uso de uma harmónica e de um piano, instrumentos que enriquecem o leque de soluções ao seu dispor, e por onde também passeia versatilidade e virtuosismo sem aparente esforço.

A sua extensa carreira musical, quer a solo, quer acompanhado pela sua banda de suporte, os Crazy Horse, conta em 2014 com 35 álbuns comercializados (fora os projectos em que colaborou com as bandas Buffalo Springfield - alguém se lembra deste hino? - e Crosby, Stills Nash & Young), está recheada de altos e baixos, de grandes sucessos e de grandes fracassos, foi sempre pautada pela determinação e coragem na procura de novos caminhos, e sempre amparada na necessidade de produzir/concretizar aquilo que a inspiração lhe sugere (a avaliação dos resultados, segundo Young - essa parte - deixa para os outros; a ele só lhe compete produzir). É frequente encontrarmos faixas que excedem os 7 e 8 minutos de duração nos seus álbuns (em Sleeps with Angels há um registo que ultrapassa os 14 minutos, e em  Psychedelic Pill outro que chega aos 27...!) - Young nunca se sentou à sombra do sucesso alcançado, tendo optado conscientemente por não estagnar no tempo, mesmo quando o seu génio criativo ditou um afastamento em relação ao público e à crítica, ou um corte radical face àquilo que havia produzido anteriormente. Neste aspecto, os anos 80 foram particularmente penalizadores e ingratos para com a faceta mais experimentalista de Young, uma travessia do deserto de quase 10 anos, e outros tantos registos considerados menores, iniciada após aquele que é o trabalho central definidor do seu percurso, e provavelmente seu melhor álbum de originais, Rust Never Sleeps, de 1979. Dá-se nele o encontro entre Country e Rock, entre acústico e eléctrico, entre o autor e o intérprete, entre artista e audiência, num jogo de afastamentos e aproximações entre elementos (nas suas palavras: «Out of the blue... Into the black») que tem tanto de conceptual como de vital/intrínseco e definidor para Young, o criador enquanto homem que interpreta o mundo... e o sonhador. É um álbum de originais, mas foi gravado ao vivo perante uma plateia, com os Crazy Horse como banda de apoio. Funciona como uma espécie de súmula daquilo que é/foi a sua carreira, e o tema que o inicia, de forma acústica, repete-se depois no final, com algumas pequenas variações na letra, em registo eléctrico, fechando um arco que indica um processo evolutivo, mas sem término à vista.


O álbum Freedom, editado em 1989, marcou a reabilitação artística de Young junto da sua massa de seguidores, um novo ponto de inversão comercial na carreira, e um primeiro sério indício daquilo que viria a revelar-se uma década fulgurante para o músico. Por essa altura começava a despontar em Seattle um novo tipo de sonoridade musical que definiria a primeira metade dos anos 90; bandas como os Nirvana e os Pearl Jam, os dois vértices mais destacados da era Grunge, apontaram Young com uma influência determinante no som que produziam. Young, por seu lado, acolheu este "apadrinhamento público" com entusiasmo, de forma muito natural, algo que não é de espantar, dada a aproximação notória entre a música de cariz experimental que vinha produzindo desde que lançara Rust Never Sleeps, e as influências do Punk na sonoridade do Grunge. Esta tangente entre Young e as bandas de Seattle alcançou o apogeu no álbum Mirror Ball, em 1995, numa associação aos Pearl Jam (sem Eddie Vedder), e já depois do tributo post mortem que o músico canadiano prestou a Kurt Cobain em Sleeps with Angels, de 1994. Os Pearl Jam, jovens à beira dos 30, então no auge da sua força criativa e sucesso comercial, encaixaram sem esforço no modelo intencionado por Young, que dobrava nesse ano os 50, permitindo elevar o "poder de fogo" da instrumentação de apoio para o degrau acima daquilo que os Crazy Horse normalmente lhe permitiam. A energia de uma juventude em plena efervescência a complementar a curiosidade de uma sabedoria confiante, mas ainda atraída pela experimentação. Não resultou na obra-prima que os fãs de ambas as partes eventualmente esperariam, mas saiu um álbum de rock preenchido e intenso, sem momentos mortos, sem abrandamentos no ritmo ou espaços de silêncio, com dinâmica suficiente para "saber a novidade", em que se percebe o entusiasmo da reunião entre os envolvidos. E se Young ganhou dos Pearl Jam uma muralha cerrada de som à sua volta, a banda de Seattle ganhou por sua vez uma estrutura e uma coerência que não lhes encontramos em mais nenhum álbum, pré ou pós Mirror Ball. É um dos marcos na carreira de Young.

Em 1992, em sentido contrário à corrente de descargas eléctricas, distorção e rock pesado que definiu os álbums de Young desse período, surge a serenidade acústica de Harvest Moon, o sucessor espiritual de Harvest, e um  retorno do músico a um registo Folk e Country que não se lhe ouvia desde quase há uma década. Harvest Moon é um disco composto maioritariamente por baladas nostálgicas, e tem na sua primeira metade alguns dos melhores temas acústicos interpretados por Young.

Para quem não conhece o trabalho de Neil Young, e dada a diversidade e extensão do seu reportório, importa destacar ainda três álbuns míticos, gravados todos em sequência, na fase inicial da sua carreira, e porventura aqueles que contribuíram de forma mais decisiva para a sua revelação e afirmação no meio: Everybody Knows This Is Nowhere (com os Crazy Horse - 1969)After the Gold Rush (1970) e Harvest (1972). É deles também que vou escolher alguns dos temas a apresentar de seguida - nesta mensagem caberão 4 temas "acústicos", e na seguinte mais 4 temas "eléctricos". Não são suficientes para abarcar/revelar Young no seu conjunto como desejaria, mas representam um bom primeiro princípio orientador, ou assim o espero.


After the Gold Rush, do álbum homónimo - 1970



Old Man, do álbum Harvest - 1972


Sail Away, do álbum Rust Never Sleeps - 1979

From Hank to Hendrix, do álbum Harvest Moon - 1992

17/12/14

Magic in Moonlight


Jean Gabin e Ida Lupino, em Moontide - Maré Alta (1942)

O elo entre o realismo poético francês, o expressionismo alemão e o film noir "americano" está nesta fita, que começou a ser rodada por Fritz Lang e terminou com Archie Mayo ao leme. Jean Gabin, figura central do cinema francês dos anos 30, participou em três filmes precursores do noir, aquilo que viria a ser o género temático dominante em Hollywood ao longo dos anos 40: Pépé le Moko (r. Julien Duvivier – 1937), La Bête Humaine – A Fera Humana (r. Jean Renoir 1938) e  Le Quai Des Brumes - Cais das Brumas (Marcel Carné – 1938). A sua carreira na América estaria contudo votada ao fracasso, e Gabin ainda foi a tempo de se juntar às tropas francesas durante a 2ª Grande Guerra, combatendo no norte África as forças de Hitler. Regressou a Paris integrando a força militar aliada, durante o movimento de recuperação territorial da Europa, depois do dia D.



Em Moontide, Gabin interpreta uma personagem ambígua, a braços com um passado misterioso que ele próprio não consegue esclarecer. Como nos melhores noirs, um dia esse passado virá cobrar a sua dívida...

12/12/14

Estamos Vivos (parte II)

(parte I - aqui)


 Peter Lorre é subitamente confrontado com o seu doppelgänger, em M - ou, o espelho à imagem do ecrã de cinema.


Num ensaio sobre o filme M - Matou (1931), de Fritz Lang, um ensaio que ocupa um capítulo inteiro no livro The Big Screen - The Story of the Movies and What They did to Us (2012), David Thomson, falando acerca do papel marcante de Peter Lorre na pele de um assassino de crianças, e da ténue linha que por vezes separa a interpretação de uma personagem num filme da experiência de abordagem à vida no mundo real, escreve o seguinte:

«Actors will tell you that, no matter the evil in a role, they have to like their characters to do a good job. We honor what they say, and their experience, but that concession is a first step toward the possibility that we are all of us always acting out our selves, presenting ourselves in everyday life, and are forever unreliable and promiscuous. So we may like or deslike people, but we can never be sure of them. This is an irreversible shift in the departure from humanity or humanism, for it is not a matter of calculated deception so much as an organic, helpless pretending: I pretend, therefore I am. It is not to far from Jean Renoir's feeling that everyone has his or her reasons - or their actors sense of a role. That thought from La Règle du Jeu (1939) is often considered a sign of Renoir's generosity and openness. But it also conveys an epistemological solitude and the way existence has become performance.»

Acerca deste livro de Thomson, é daqueles para figurar na resposta à sempre interessante pergunta: "se pudesses escolher 3 obras para levar para uma ilha deserta, quais seriam?" Mas teríamos também de carregar connosco uma sala de cinema inteira, projector incluído...